Lei promulgada em 1998 trouxe melhorias ao esporte brasileiro, mas divide a opinião de profissionais do esporte até os dias atuais
Aprovada na Câmara e no Senado por unanimidade, idealizada pelo rei do futebol e batizada com o seu nome. A Lei Pelé prometia ser promissora e foi criada com uma proposta de trazer inovações ao esporte, principalmente nas relações de trabalho entre clubes e atletas.
Porém, junto às melhorias, também trouxe polêmicas. Hoje, divide a opinião de juristas e amantes do esporte. O motivo? Diversas alterações que aconteceram durante os mais de 20 anos de vigência.
Com a Lei Pelé, o CPJUR inicia a série ‘Leis Famosas’, que abordará diversas leis popularmente conhecidas, as quais ganharam e ganham, até hoje, destaque na mídia e na boca do povo.
Neste artigo, batemos um papo com o advogado Marcel Belfiore, especialista em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e sócio do escritório Ambiel – Manssur, Belfiore & Malta Advogados.
As legislações desportivas sempre fizeram parte da carreira profissional de Belfiore. Ele já atuou em negociações internacionais para a transferência de atletas em diversos países do mundo. Atualmente, representa atletas perante os mais diversos tribunais de justiça desportiva.
A criação da lei
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, era o Ministro do Esporte e presidente do Conselho do Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto (INDESP) quando idealizou a lei.
Promulgada em 24 de abril de 1998, a Lei 9.615 revogou a Lei Zico, sua antecessora. O intuito era de dar mais transparência e profissionalismo ao esporte nacional.
“A Lei Zico, apesar de regular as relações do esporte no Brasil, remetia muitos direitos e obrigações aos regulamentos das entidades de administração de cada modalidade. Por esta razão, estabelecia apenas regras de ordem geral, sem muita profundidade”, destaca Marcel Belfiore.
Diferente do que veio à tona com a Lei Pelé, que “foi muito mais específica com relação às peculiaridades da relação esportiva, principalmente na relação de trabalho entre clubes e atletas”.
Foram instituídos diversos direitos, como os do consumidor nos esportes, a prestação de contas por parte de dirigentes, a criação de federações e associações, entre outras medidas.
Houve, também, uma profissionalização. Os clubes foram obrigados a se transformar em empresas e os Tribunais de Justiça Desportiva tornaram-se independentes. Além disso, o esporte olímpico e paralímpico passaram a receber verbas de incentivo.
No entanto, o que mais gerou polêmica foi o fim do “passe” dos atletas nos clubes brasileiros.
A extinção da Lei do Passe
O fim da Lei do Passe, trazida pela Lei Pelé, deu aos jogadores maior “independência”. Antes, os atletas eram “reféns” dos clubes, que decidiam seus futuros. Com a vigência da lei, eles deixaram de ser “propriedade” dos empregadores.
“Antes permitia que clubes exigissem valores pela transferência de atletas mesmo após o término do contrato de trabalho com ele. A partir dali, o atleta passou a estar efetivamente livre com o término do contrato de trabalho, podendo assinar novo vínculo com o clube que melhor lhe conviesse, sem a necessidade de pagamento ao clube anterior”, explica Belfiore.
E é aí que começa a polêmica.
Com isso, a figura do empresário começou a ganhar força no mundo do futebol. Se antes os jovens talentos tinham a oportunidade de começar a carreira no Brasil, agora, às vezes sequer criam identidade com o seu time de formação e são vendidos à Europa muito cedo.
“As principais críticas feitas pelos clubes empregadores se referiam à falta de regras que servissem para indenizar o seu investimento na formação dos atletas. Sobretudo, que lhes dessem maior proteção contra as investidas de clubes mais ricos sobre os seus atletas”, explica Belfiore.
Antes da lei, o passe do jogador era do clube, agora ele é “fatiado”. Uma parcela pertence à família, outra ao empresário e apenas uma pequena porcentagem ao clube, o que gera revolta nos cartolas até hoje.
Porém, para Marcel Belfiore, ao longo do tempo a Lei Pelé foi se aprimorando para equilibrar essa relação.
“De modo a aumentar os valores das multas por rescisão unilateral do contrato pelo atleta; garantir indenizações aos clubes formadores e formas de evitar que atletas, ainda jovens e sem contrato de trabalho, pudessem trocar de clube sem o dever de indenizar o clube formador”, conta.
As mudanças sofridas pela Lei Pelé
Desde que a Lei Pelé foi elaborada, ela foi revista diversas vezes, na maioria delas para adequar pontos polêmicos e contraditórios.
Em 2011, por exemplo, passou por profunda mudança nos artigos relativos à relação de trabalho entre clubes e atletas.
“A lei não era clara sobre as consequências financeiras da rescisão do contrato de trabalho de forma unilateral, quando pelo clube ou pelo atleta. Coube à jurisprudência interpretar a lei e, na sua omissão, aplicar normas da constituição e da legislação trabalhista. Assim, em muitas ocasiões, clubes eram condenados a pagar multas milionárias quando dispensavam o atleta”, explica.
Outras mudanças significativas foram implementadas em 2015, quando passou-se a exigir dos clubes fortes contrapartidas em razão do refinanciamento de impostos não pagos.
Além disso, a lei passou a interferir de maneira mais contundente na forma de administração dos clubes e federações e, dentre as mudanças:
- estabeleceu fortes regras relacionadas à responsabilidade dos diretores dos clubes inadimplentes;
- criou regras de eleição de dirigentes e em limites para o uso dos recursos financeiros a cada gestão;
- interferiu diretamente nas competições, ao proibir a participação de clubes que deixem de honrar suas obrigações financeiras.
Na análise de Marcel Belfiore, talvez esta seja a maior crítica que a lei mereça: “Após esses 20 anos de muitas alterações, tornou-se uma colcha de retalhos”, aponta.
Para ele, talvez seja hora de uma nova lei esportiva. Algo “que consolide o que há de melhor da Lei Pelé e agregue as melhores regras criadas no âmbito das federações e confederações nacionais e internacionais. Por mais que a Lei Pelé seja relativamente jovem, o esporte evoluiu muito ao longo desses 20 anos e a lei deve acompanhar essa evolução”, destaca.
A história da legislação desportiva no país
Em 1941, o jurista João Lyra Filho foi o responsável por estruturar o esporte no país, com o Decreto-Lei 3.199. Nele, criou-se o Conselho Nacional de Desportos (CND), um órgão administrativo firmado como a última instância no esporte brasileiro.
O CND foi responsável pela regulação e regulamentação de todas modalidades e suas respectivas federações. Além disso, era ele que dava o aval a todas as decisões que precisavam ser tomadas envolvendo equipes na esfera jurídica.
Sua criação foi considerada um marco no ordenamento desportivo. Porém, gerou polêmica por limitar as modalidades esportivas às mulheres. O que, para muitos, acabou atrasando a história olímpica do Brasil.
Novas normas foram editadas ao longo dos anos, a fim de melhorar a estrutura do esporte brasileiro. Uma delas veio com a Reforma Constituinte de 1988, no Artigo 217 da Constituição Federal.
Passou a ser dever do Estado “fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um”.
O esporte alcançou patamar constitucional e em 1993 ganhou lei própria: a Lei 8.672, popularmente conhecida como Lei Zico. Ela trouxe modernização nas leis desportivas e serviu para desburocratizar a prática no país.
O esporte passou a estar nas escolas, a Justiça Desportiva ganhou uma estruturação mais consistente, além de ter reduzido consideravelmente a interferência do Estado e dando maior abertura à iniciativa privada.
A Lei Zico foi revogada em 1998, com a criação da Lei Pelé.
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